Temer tenta manter governo vivo e justificar ao mercado fracasso na Previdência

Para Antônio Augusto de Queiroz, governo busca se preservar de críticas do mercado. Roberto Amaral observa que privatizações prioritárias “estão, por coincidência, no Rio de Janeiro”
por Eduardo Maretti, da RBA publicado 19/02/2018 19h21, última modificação 19/02/2018 19h40
 Michel Temer ficou muito contrariado com as críticas feitas a ele pelas escolas de samba

São Paulo – “Estamos diante de várias esfinges. E elas estão cobrando de nós todos que as decifremos, porque, senão, seremos engolidos por elas. Não sabemos ainda o que está por trás dessa intervenção no Rio de Janeiro”, diz o cientista político e ex-presidente do PSB Roberto Amaral, sobre a conjuntura política e a intervenção das Forças Armadas. “Pode ser um artifício do governo em crise, para justificar o fracasso com relação à reforma da Previdência, pode ser um ensaio de outras coisas quaisquer, ou pode ser também uma cortina de fumaça para justificar a retomada das medidas privatistas.”

Na opinião do analista político Antônio Augusto Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), a intervenção é uma “jogada de marketing inteligente”. “Primeiro, para tentar recuperar a popularidade; depois, tentar se preservar de críticas do mercado, já que não vai poder votar a Previdência porque constitucionalmente não pode, o que não seria culpa dele, mas das circunstâncias que levaram a isso; depois, a medida serve para manter o governo dele vivo. Como ele tem que ter um candidato que o represente e, como na base ninguém decolou, ele próprio tende a ser candidato – embora sem chance de se eleger, mas pelo menos mantém o governo vivo”, analisa Queiroz.

Temer sabe que, politicamente, a PEC da reforma da Previdência não tem chance de passar no Congresso. Com a intervenção no Rio, ele tem agora uma justificativa legal pela qual pode se esquivar do fracasso político: propostas de emenda à Constituição não podem ser promulgadas enquanto existir intervenção. Uma solução, para o governo, seria a intervenção ser suspensa apenas para a votação da PEC, mas ele só adotaria essa saída se tivesse certeza de ter 308 votos necessários, o que está muito longe de acontecer.

O presidente do Senado e do Congresso Nacional, Eunício Oliveira (PMDB-CE), disse hoje (19) que a tramitação de PECs está suspensaenquanto a intervenção vigorar. “Nenhuma PEC tramitará, não precisa a oposição entrar com pedido de liminar”, afirmou. Ele explicou que a previsão é do artigo 60 da Constituição, que veda tramitação de PEC com situações de estado de sítio, em estado de defesa ou em intervenção.

Para Queiroz, Eunício age de acordo com a norma constitucional e com os regimentos das duas casas do Congresso.

Na opinião do analista do Diap, sendo candidato, de quebra, Temer também pune o PSDB, que não se empenhou para aprovar a reforma da Previdência como o governo esperava, e divide os votos nesse campo. “A motivação da intervenção se relaciona com essa perspectiva. Ele propôs isso porque não ia entregar ao mercado a reforma da Previdência, e então decidiu fazer essa jogada, para chegar ao final do mandato sem muitos questionamentos por parte do mercado.”

Escolas de samba

Além de não ter como entregar a reforma da Previdência como prometeu ao mercado, outros fatores também pesaram, avalia Queiroz. “Temer ficou muito desconfortável com as críticas, principalmente das escolas de samba, em relação à omissão, a desqualificação e a dimensão antissocial desse governo, o que o incomodou muito. Ele precisava apresentar uma agenda que não ficasse só na Previdência, que é muito negativa sob uma perspectiva geral.”

Para Roberto Amaral, é importante observar que as prioridades do governo quanto às privatizações “estão, por coincidência, no Rio de Janeiro”. São os casos da Casa da Moeda, da Eletrobras e do setor de petróleo e gás. Na opinião do cientista político, nesse sentido, a intervenção poderia ser uma antecipação à tomada das ruas pela população. Com a cidade ocupada por forças militares, as ações dos movimentos sociais não seriam apenas desestimuladas como, virtualmente, inviabilizadas.

“Ou então a intervenção pode ser um ensaio de fechamento simplesmente. Como vamos fazer eleições presidenciais com o estado do Rio de Janeiro ocupado por forças militares?”, questiona Amaral. “Corremos o risco de colocar o exército em confronto com a população, o que não deve interessar a nenhum democrata.”

Ele lembra que o comandante do Exército, general Eduardo Villas Boas, tem dito seguidamente ser contra a utilização das Forças Armadas como polícia. “E, no entanto, está sendo usada. O que tem por trás disso?”, questiona. Villas Boas chegou a dizer no ano passado, pelo Twitter, que o uso das forças militares para esse fim é “desgastante, perigoso e inócuo”.

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