Temer tenta manter governo vivo e justificar ao mercado fracasso na Previdência
São Paulo – “Estamos diante de várias esfinges. E elas estão cobrando de nós todos que as decifremos, porque, senão, seremos engolidos por elas. Não sabemos ainda o que está por trás dessa intervenção no Rio de Janeiro”, diz o cientista político e ex-presidente do PSB Roberto Amaral, sobre a conjuntura política e a intervenção das Forças Armadas. “Pode ser um artifício do governo em crise, para justificar o fracasso com relação à reforma da Previdência, pode ser um ensaio de outras coisas quaisquer, ou pode ser também uma cortina de fumaça para justificar a retomada das medidas privatistas.”
Na opinião do analista político Antônio Augusto Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), a intervenção é uma “jogada de marketing inteligente”. “Primeiro, para tentar recuperar a popularidade; depois, tentar se preservar de críticas do mercado, já que não vai poder votar a Previdência porque constitucionalmente não pode, o que não seria culpa dele, mas das circunstâncias que levaram a isso; depois, a medida serve para manter o governo dele vivo. Como ele tem que ter um candidato que o represente e, como na base ninguém decolou, ele próprio tende a ser candidato – embora sem chance de se eleger, mas pelo menos mantém o governo vivo”, analisa Queiroz.
Temer sabe que, politicamente, a PEC da reforma da Previdência não tem chance de passar no Congresso. Com a intervenção no Rio, ele tem agora uma justificativa legal pela qual pode se esquivar do fracasso político: propostas de emenda à Constituição não podem ser promulgadas enquanto existir intervenção. Uma solução, para o governo, seria a intervenção ser suspensa apenas para a votação da PEC, mas ele só adotaria essa saída se tivesse certeza de ter 308 votos necessários, o que está muito longe de acontecer.
O presidente do Senado e do Congresso Nacional, Eunício Oliveira (PMDB-CE), disse hoje (19) que a tramitação de PECs está suspensaenquanto a intervenção vigorar. “Nenhuma PEC tramitará, não precisa a oposição entrar com pedido de liminar”, afirmou. Ele explicou que a previsão é do artigo 60 da Constituição, que veda tramitação de PEC com situações de estado de sítio, em estado de defesa ou em intervenção.
Para Queiroz, Eunício age de acordo com a norma constitucional e com os regimentos das duas casas do Congresso.
Na opinião do analista do Diap, sendo candidato, de quebra, Temer também pune o PSDB, que não se empenhou para aprovar a reforma da Previdência como o governo esperava, e divide os votos nesse campo. “A motivação da intervenção se relaciona com essa perspectiva. Ele propôs isso porque não ia entregar ao mercado a reforma da Previdência, e então decidiu fazer essa jogada, para chegar ao final do mandato sem muitos questionamentos por parte do mercado.”
Escolas de samba
Além de não ter como entregar a reforma da Previdência como prometeu ao mercado, outros fatores também pesaram, avalia Queiroz. “Temer ficou muito desconfortável com as críticas, principalmente das escolas de samba, em relação à omissão, a desqualificação e a dimensão antissocial desse governo, o que o incomodou muito. Ele precisava apresentar uma agenda que não ficasse só na Previdência, que é muito negativa sob uma perspectiva geral.”
Para Roberto Amaral, é importante observar que as prioridades do governo quanto às privatizações “estão, por coincidência, no Rio de Janeiro”. São os casos da Casa da Moeda, da Eletrobras e do setor de petróleo e gás. Na opinião do cientista político, nesse sentido, a intervenção poderia ser uma antecipação à tomada das ruas pela população. Com a cidade ocupada por forças militares, as ações dos movimentos sociais não seriam apenas desestimuladas como, virtualmente, inviabilizadas.
“Ou então a intervenção pode ser um ensaio de fechamento simplesmente. Como vamos fazer eleições presidenciais com o estado do Rio de Janeiro ocupado por forças militares?”, questiona Amaral. “Corremos o risco de colocar o exército em confronto com a população, o que não deve interessar a nenhum democrata.”
Ele lembra que o comandante do Exército, general Eduardo Villas Boas, tem dito seguidamente ser contra a utilização das Forças Armadas como polícia. “E, no entanto, está sendo usada. O que tem por trás disso?”, questiona. Villas Boas chegou a dizer no ano passado, pelo Twitter, que o uso das forças militares para esse fim é “desgastante, perigoso e inócuo”.
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